Estava limpando a casa quando meu pai entrou pela porta. Ele chamou eu e minha vó para sentar no sofá e dar a notícia. Ele nos abraçou e ficamos ali. Eu olhava para o reflexo do seus pés no armário e então ele levantou dizendo que tinha que cuidar das coisas no hospital. Não sei se esse abraço levou um, dez ou quarenta minutos.
Lembro que foi uma noite longa, sentia algo querendo sair do meu peito, mas saía mesmo era dos meus olhos. Minha prima passou a noite do meu lado. O quarto estava escuro, mas vinha uma luz da sala. Vozes conversavam sobre coisas que preferia evitar. Deitei no canto da cama, onde costumava deitar ao lado da minha mãe e minha prima deitou comigo e me fez carinho para tentar me acalmar.
A pior parte foi no outro dia, entrar naquela sala do cemitério. Tudo era bem iluminado e parece que foi ontem. Bem lá no fundo com uma coroa de flores ao lado, um caixão. Não sei quem estava em volta, não sei quem me levou até ela, mas foram passos tão longos quanto a noite. Quando vi minha mãe ali, deitada, inchada, sabendo que nunca mais iria vê-la olhando pra mim. Não chorei.
Tinha 11 anos e eu só sabia que ela tinha morrido. O que seria da minha vida agora? Os choros de todos não me deixaram sentir nada naquele momento. Eles bloqueavam meus pensamentos e era vazio. Vazio na minha cabeça e isso me deixava com medo, sem saber o que fazer. Mas depois? Não lembro, pois sei que meus olhos sempre estavam cheio de lágrimas.
Era um silêncio incomum quando o caixão ia descendo naquele buraco infinito. Será que isso era normal? Tinha o braço do pai sobre meu ombro. Era um monte de gente em nossa volta, todos enormes, mas encolhidos, de preto. Havia um carpete verde sob nossos pés e foi nele que me concentrei. Não queria ver. Não sabia o que fazer. Tinha que ver, era minha mãe ali. Não podia. Alguns soluços chorosos chegaram em meus ouvidos. Meu coração acelerado e o caixão ali, ainda descendo. Então meu pai me puxou e demos as costas para ela, para todos. Nos afastamos, ladeira acima do cemitério, ele disse engasgando: “não temos mais o que fazer agora”. Na época, não sabia o que isso queria dizer. E hoje, ainda não sei.