Claro que quando nós entramos no server, já tinham raidado a nossa casa. Mais de dez horas jogando para outros players chegarem e em dois minutos destruírem e saquearem tudo.
O foda é que nós nunca tínhamos armas. Nunca conseguimos pegar um Airdrop. Ir até a Sphere era morte na certa. Até que nós não queríamos fazer PVP com outros players. Só queríamos construir nossa house em paz e avançar no jogo do nosso jeito.
Éramos quatro: eu, Decipator, Geister e Darkseph. Construímos uma casa 3×2 perto da praia, entre as pedras, para ter acesso rápido a Werehouse e a Sphere. Depois de perder tantas casas e sermos abatidos tantas e tantas vezes, nosso objetivo era simples: juntar o máximo de blueprints e fragmento de desenho técnico, aprender o mais rápido possível tudo que der e sair killando qualquer peladão que aparecesse pela frente. Também era fácil matar um urso nessa época. Duas flechadas e ele já era.
Ainda era Natal e o Papai Noel aparecia a cada duas horas para deixar presentinhos. Dava para melhorar dez presentes pequenos e ele virava um médio. Todos os presentes eram úteis, até a eoka problemática servia para matar alguém algumas vezes. Claro que isso era extremamente raro.
Dentre os presentes que o Papai Noel deixava em volta das nossas casas, um deles nos dava conforto, curando rapidamente: o Teddy Bear. Ele era apenas um ursinho de pelúcia fofinho e pequenino que depois de instalá-lo, era impossível de se retirar do lugar.
Ganhamos um, ganhamos dois, ganhamos vários dele. Acho que o Papai Noel já sabia o que estava por vir.Até chamei um dos últimos de Dom Pietro, em homenagem ao morcego que vem na minha janela às vezes.
Colocamos vários deles no chão, formando uma meia lua. Sete para ser mais exata. Um de nós colocou uma lanterna de abobora no meio da roda. Eles ficavam ali, nos passando conforto e deixando o ambiente mas alegre.
Geister, inclusive, nos disse uma coisa curiosa.
Esses marmanjos pelados pegando conforto com um ursinho é muito engraçado.
E era mesmo. Me lembro bem. Todos agachados e pelados na volta dos ursos. Só faltava abraçar e deitar em um cantinho pra dormir com o Teddy.
Resolvemos então fazer uma seita de devoção aos nossos amigos confortáveis. Dançávamos em volta deles para que nos dessem coragem e habilidade para enfrentar nossos inimigos. Também ofertávamos carne humana para que nossos loots na Sphere e Warehouse fossem ótimos. E foram mesmo! Dropou uma AK e uma thompson. Não era muita coisa, mas pela maré de azar que estávamos passando, tudo isso foi mais que bom!
Nem deu tempo de apredê-las, pois o wipe chegou como o inverno e devastou todo o nosso progresso. Sabíamos disso, mas mesmo assim, dá uma dor no coração ter que começar tudo de novo. Óbvio que a vantagem é: todos começam do zero novamente. Disse todos, inclusive os inimigos.
Novo mapa, nova vida, bora lá! O combinado entre nós era que no primeiro dia pegaríamos todos os blueprints que desse, aprender todos os itens possíveis o mais rápido possível. Crescer, crescer, crescer! Rápido! Antes que os clãs inimigos o fizessem!
Quando loguei, Decipator, Geister e Darkseph já tinham construído uma casa simples 2×2 entre o Satellite e Radtown. E claro que a treta já estava formada! Do outro lado da montanha, atrás do Satellite já estava instalado um clã. Três horas depois do wipe e já havíamos inimizade com um clã consideravelmente grande. Isso não implica que eles são necessariamente bons e nem que nós éramos necessariamente ruins por sermos apenas quatro.
Colocaram uma bag para mim atrás de uma rocha. Quando nasci, vi do lado direito o Satellite.
Só segue reto que tu chega na nossa casa. – me informou o Decipator.
Segurei minha pedra na mão e fui.
Na vida real, até me considero uma boa guia. Não tenho a tendência de me perder e sempre acho o caminho de casa certinho. Já in game… vish! Se eu me distrair da rota por dois – eu disse DOIS – segundos, já era! Tô completamente perdida. Não sei de que lado vim e para que lado ia.
Na primeira vez jogando, óbvio que eu iria me perder. Nem mesmo sabia o caminho certo. Por que não? Então, resolvi dar uma passadinha no Satellite ver se já achava alguma coisa de útil. De longe, do lado de um morrinho tinha um tonel. Me aproximei e usei a pedra pra bater nele. Primeiro drop do wipe: um arco e uma flecha. Bom, até que eu comecei bem, né?
Subi o morrinho e vi caixas de sobrevivência do outro lado do satélite. Fui em direção a elas. Nisso, avistei um um pelado moreno, correndo em minha direção.
É um de vocês aqui no satélite? – questionei franzindo a sobrancelha. Não. – foi uma resposta conjunta.
Parti então pra cima do player, sem dó nem piedade. Eles não tinham de mim mesmo. Sem nem demorar, o cara puxou o arco das costas quando avistou o meu. Fiquei andando em zigue-zague pra não levar uma flechada, mas isso também me atrapalhava porque sou muito ruim de mira. Atirei a filha única e passou longe do moreno. Avistei no ombro esquerdo dele mais três caras chegando. Coração subiu do peito.
Meu! São quatro caras! Onde tu tá? – alguém me perguntou. Satélite! Satélite! – já gritava nesse momento.
Os três de cada lado já estavam vindo. Oito players no Satellite. iria rolar a primeira treta do server. Um grupo iria sair perdedor dali. Eu, infelizmente, não tinha nenhuma flecha. A tela do lado direito ficou vermelha, minha vida desceu vinte pontos. Me acertaram. Caralho – era tudo que eu conseguia pensar.
Eu tinha duas opções: uma, eu iria para cima, acendia a tocha e rezava pro WASD fazer um bom trabalho pra não levar uma outra flechada na preula; dois, corria na direção dos guris e assim, atrairia ele e os outros caras para uma morte lenta e cruel que meus companheiros iriam proporcionar aos inimigos.
Qual você acha que eu fiz? Então, pressionei shift e deu meia volta. Fui correndo na direção que eu achava que eles estariam vindo e acertei em cheio. Os três estavam se aproximando de mim ao mesmo tempo em que eu levaria quatro players inimigos para um belo chá da tarde.
Alguém me passa flecha! – acho que devo ter deixado todos surdos. Aqui, perto da pedra. – Decipator se aproximou de uma rocha e jogou a metade de suas flechas.
Ele seguiu o caminho em direção ao campo de guerra. Só que eu não consegui pegar as flechas que ele me jogou. Elas rolaram para o centro do campo onde a briga já estava correndo solta.
Só que nós não oferecemos um chá amargo acompanhado de cookies com gotas de sangue. Meu belo plano foi falho. Depois de muitas flechas lançadas e duas baixas do time deles, achávamos que iriamos ganhar essa fácil. Perseguimos os que sobraram. A casa deles era no lado inverso do nosso, na ponta direita do Satélite. Eles nos levaram pra uma enrascada: lá estava os dois players que já havíamos matado e mais dois do clã. Seis x quatro. A desvantagem era nossa. Era certa nossa morte. Darkseph foi abatido. Decipator também. Rápido, fácil e simples. Iriamos morrer, Geister e eu.
Bora voltar.
Os Curry vieram atrás de nós. Eu não sabia pra que lado era a casa naquele momento., só restava seguir Geister. Levei outra flechada. Tava sangrando. Não iria demorar pra ficar inconsciente. Foi que uma esperança apareceu. Uma esperança de quatro patas.
Porra, véio! Um urso.
Um urso nos levou à morte. Ele tava na porta da nossa casa e não tava bugado. Levou Geister, depois eu com uma só patada e logo, um por um dos inimigos foi a morte. O urso tinha a rota bem em frente a nossa porta e parecia que aquele era o melhor lugar para se estar. E era mesmo, para nós. Muito melhor morrer para um urso do que para um clã inimigo. Foi um tanto gratificante, pois nossa trap inesperada foi muito bem armada pelo destino.
Nisso, durante os outros dias, muitos outros players apareceram no chat. Não para conversar ou xingar a mãe do Badanha, mas porque haviam morrido para o urso. Isso aí, o urso passou a ter oitocentos de vida e era praticamente o boss do servidor. Não existe ninguém que ele não tivesse passado o rodo. Seria por causa da nossa seita?
Claro que depois de tudo isso não poderíamos voltar para a house. O urso – boss – ainda fazia ronda por lá. Seguimos, então, os postes para ir até a Powerplant. O melhor a fazer agora era focar nos objetivos de pegar bp’s e contra-atacar os Curry.
Airdrop. – Darkseph que estava mais a esquerda ouviu primeiro.
O Airdrop é um avião que joga uma caixa com itens de sobrevivência. O primeiro que chegar e pegar se deu pelo resto do jogo, pois geralmente ele dá coisas bem, mas bem úteis. O problema é onde ele vai largar o drop.
Tô aqui, pode jogar. – eu disse Aqui! Aqui! – Decipator comentou. Aí, ele tá bem encima da gente. – Geister falou.
E ele largou.
WOW! Caralho! Tá aqui! Alguém dá cover! Bora! Bora!
Foi o um minuto mais longo de todos nesse jogo. Nem a noite era tao longa assim. O coração na garganta. O que podia cair? Será que os Curry tão vindo? Será que tem outro grupo vindo? Fodeu!
Quando aquela caixa preta caiu de paraquedas no nosso colo, – quase que literalmente – só foi dito o seguinte:
Cara, vamos embora. Sério, vamos.
Ninguém perguntou o que havia caído. Só fomos embora dali o mais rápido que o shift podia proporcionar. Fomos parar perto de um lago. Ao longe, tinha três caras no seguindo, mas aparentemente eles desistiram por estarmos em número maior. Um baú pequeno, daqueles que se esconde na terra, foi feito e ali dentro foi escondido uma AK, uma Thompson, uma Bolt e um Rocket Launcher. O local era embaixo de uma pedra branca, bem próximo ao mar. Mas eu não saberia vir aqui sem um GPS player.
Gente, não poderia ter sido um loot melhor. Deus do Céu.
Cara, valeu muito a pena ter venerado aquele urso. Ele foi um bom deus pra nós.
Há essa altura, já havíamos construído uma casinha dois por dois em outra praia, mais para perto do mar. Só pra pegar os fragmentos de desenho técnico e juntar pra aprender as armas. Claro que muita pedra e madeira teria que ser pega para fundir os minérios de metal e enxofre para reparar as armas. Por algum motivo, as armas veem gastas. Só um tirinho já faz elas quebrarem e ficarem inutilizáveis. Acho que o motivo é a batida da caixa com o chão. Qual outro motivo seria? #Issonãofazsentido.
Ficamos aquele dia até as quatro da manhã catando o máximo de fragmentos que poderíamos. O primeiro item a ser reparado foi a Bolt e depois a Thompson.
Combinado seria que cada um ficaria com uma arma. No outro dia, foi feito o blueprint da AK pra mim. Me senti a Rainha do Tráfico, sentada em uma poltrona vermelha e carregando a arma com uma mira que até não era muito boa, mas fazia um barulho ensurdecedor. Essa era a parte maravilhosa, se sentir melhor que qualquer outro noob.
Só que, infelizmente, nem chegou a dar tempo de usar nem Thompson, nem Bolt, nem AK. O server fechou. Isso mesmo! Uma semana de trabalho perdido. Desanima até o último ser player da Terra. Até o Deus Bear deve ter ficado #chateado depois dessa. Não iria fazer mais carreirinha de lista com seus mortos. Não nesse server, mas poderia fazer em outro, não? E quem sabe nós também 😉